O único defeito de Saramago foi ter sido comunista. Pois é uma teoria? Pratica? Sistema? Não sei definir. Só sei que nunca deu certo em país nenhum de continente algum e em época nenhuma. Entretanto seguindo Saramago com poucos parágrafos e poucas vírgulas, desejo confessar que adoro Saramago como nunca; adoro e provavelmente adorarei Lu Cordeiro como sempre.
Este artigo de Lu Cordeiro foi o melhor que já li em toda imprensa mundial.
Antes achava que Washington Post e Herald Tribune dos States, National Post do Canadá, The Guardian da Inglaterra e Le Monde haviam feito os melhores editoriais sobre Saramago. Errado! O melhor que se pode escrever sobre Saramago é este artigo de Lu Cordeiro que o transcrevo entre aspas.
"Morreu o maior escritor ― e único Nobel de Literatura ― de língua portuguesa, de todos os tempos.
Maravilhosamente iconoclasta, direto, honesto em sua postura, crítico contumaz das hipocrisias sociais. E absoluto conhecedor da língua pátria.
Com uma prosa maravilhosa, não economizava nas palavras, nem obedecia às regras para uma leitura fácil.
Inimigo de parágrafos, também aboliu travessões e outros artifícios que facilitassem o entendimento de diálogos, nos obrigando a não pestanejar em suas narrativas sob pena de nos perdermos. Por isso, mesmo, não agradava aos preguiçosos mentais.
Lúcido, absolutamente lúcido, irritava quem não o é. Demolia, com uma racionalidade ímpar, mitos e mitologias, pois os considerava funestos à liberdade de ser, pensar e agir.
Seus livros, ficcionais, baseavam-se em outras ficções, as religiosas, e liquidava com elas.
Referia-se à bíblia como um livro funesto, cheio de maus conselhos e perversidades. Um “livro de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”.
Quem conhece, de fato, a bíblia, e não faz interpretações mirabolantes, concorda com ele.
Saramago deixou Portugal e exilou-se na Espanha porque um de seus fantásticos livros, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, que, aliás, foi o primeiro, de sua autoria, que li, não foi indicado por seus patrícios para que concorresse a prêmios literários. Foi censurado. E por quê? Porque quem ousa praticar “heresias” e declarar-se ateu com todas as tintas e letras, ainda é queimado na fogueira do obscurantismo, preconceito e difamação.
Ateu, sim, e com louvor. Ateu porque de uma coragem e capacidade analítica não encontradiças em pessoas comuns. Só os muito corajosos são ateus. Só os visceralmente honestos, consigo mesmos, são ateus. “Memorial do Convento”, “Ensaio sobre a Cegueira”, “Caim”... Quem mais poderia escrevê-los?
Sem Saramago o mundo fica mais burro, mais envolto na neblina de dogmas impostos, mais cegos quanto à própria capacidade de ser e poder.
O Vaticano praticamente comemorou a morte de Saramago. E deixou claro, em seu comunicado, o quanto o grande escritor incomodava as “santidades” que por lá transitam suntuosamente, às custas do medo e das mentiras que impõem ao mundo. Mas, o que é o Vaticano? Um califado incrustado em Roma, nada mais.
Saramago recusou-se a ser uma ovelha, não aceitou pertencer a rebanhos. Por isso foi detestado pelos pastores que não admitem que alguém ouse jogar-lhes, na cara, a verdade da vida.
Grande Saramago, que nunca foi pó e ao pó não voltou, fez-me dar risadas, hoje, ao reler “Caim”.